Fotografia, memória e afeto

Na fotografia encontra-se a ausência, a lembrança, a separação dos que se amam, as pessoas que já faleceram, as que desapareceram.
Para algumas pessoas, fotografar é um ato prazeroso, de estar figurando ou imitando algo que existe. Já para outras, é a necessidade de prolongar o contato, a proximidade, o desejo de que o vínculo persista.
Strelczenia, 2001, apud Debray (1986, p. 60) assinala que a imagem nasce da morte, como negação do nada e para prolongar a vida, de tal forma que entre o representado e sua representação haja uma transferência de alma. A imagem não é uma simples metáfora do desaparecido, mas sim “uma metonímia real, um prolongamento sublimado, mas ainda físico de sua carne”.
A foto faz que as pessoas lembrem do seu passado e que fiquem conscientes de quem são. O conhecimento do real e a essência de identidade individual dependem da memória. A memória vincula o passado ao presente, ela ajuda a representar o que ocorreu no tempo, porque unindo o antes com o agora temos a capacidade de ver a transformação e de alguma maneira decifrar o que virá.
A fotografia captura um instante, põe em evidência um momento, ou seja, o tempo que não pára de correr e de ter transformações. Ao olhar uma fotografia é importante valorizar o salto entre o momento em que o objeto foi clicado e o presente em que se contempla a imagem, porém a ocasião fotografada é capaz de conter o antes e depois.
Confia-se, portanto, na capacidade da câmera fotográfica para guardar os instantes que se consideram valiosos. Tirar fotografias ajuda a combater o nada, o esquecimento. Para recordar é necessário reter certos fragmentos da experiência e esquecer o resto. São mais os instantes que se perdem que os que podemos conservar. Segundo Strelczenia (2001), “A memória se premia recordando, fazendo memorável; se castiga com o esquecimento ”.
Fotografa-se para recordar, porque os acontecimentos terminam e as fotografias permanecem, porém não sabemos se esses momentos foram significativos em si mesmos ou se tornaram memoráveis por terem sido fotografados.
A memória é constitutiva da condição humana: desde sempre o homem tem se ocupado em produzir sinais que permaneçam mais além do futuro, que sirvam de marca da própria existência e que lhe dêem sentido. A fotografia traz consigo mais daquilo do que se vê. Ela não somente capta imagens do mundo, mas pode registrar o “gesto revelador, a expressão que tudo resume, a vida que o movimento acompanha, mas que uma imagem rígida destrói ao seccionar o tempo, se não escolhemos a fração essencial imperceptível” (CORTÁZAR, 1986,p.30)
Todo esse campo de interpretação que a fotografia permite parte de vários fatores, ingredientes que agem profundamente (nem sempre visíveis) no significado da imagem. Segundo Lucia Santaella e Winfried Nöth (2001), esses elementos são: o fotógrafo, como agente; o fotógrafo, a máquina e o mundo, ou seja, o ato fotográfico, a fenomenologia desse ato; a máquina como meio; a fotografia em si; a relação da foto com o referente; a distribuição fotográfica, isto é, a sua reprodução; a recepção da foto, o ato de vê-la.
É no ensaio fotográfico que a pessoa busca a emoção, algo que ela nunca tenha sentido. A fotografia é capaz de ferir, de comover ou animar uma pessoa. Para cada um ela oferece um tipo de afeto. Na composição de significado da foto, segundo Barthes (1984), há três fatores principais: o fotógrafo (operator), o objeto (spectrum) e o observador (spectator). O fotógrafo lança seu olhar sobre o assunto, ele o contamina e faz as fotos segundo seu ponto de vista. O objeto (ou modelo) se modifica na frente de uma lente, simulando uma coisa que não é. No caso do observador, ele gera mais um campo de significado, lançando todo o seu repertório e alterando mais uma vez a imagem.
Barthes (1984, p. 45) observa ainda a presença de dois elementos na fotografia, aquilo que o fotógrafo quis transmitir é chamado de studium, ou seja, é o óbvio, aquilo que é intencional. Já quando há um detalhe que não foi pré-produzido pelo autor, recebe o nome de punctum. Esse último gera um outro significado para o observador, fere, atravessa, mexe com sua interpretação.
Reconhecer o studium é fatalmente encontrar as intenções do fotógrafo, entrar em harmonia com elas, aprova-las, dicuti-las em mim mesmo, pois a cultura (com que tem a ver o studium) é um contrato feito entre os criadores e os consumidores. (...) A esse segundo elemento que vem contrariar o studium chamarei então punctum. Dessa vez, não sou eu que vou busca-lo, é ele que parte da cena, como uma flecha, e vem me transpassar (BARTHES, 1984, p. 48).
Por meio das fotografias descobre-se a capacidade de obter camadas inteiras e de emoções que estão escondidas na memória. Também se pode descobrir e obter novas significações que naqueles momentos não estavam explícitas.
As imagens são aparentemente silenciosas. Sempre, no entanto, provocam e conduzem a uma infinidade de discursos em torno delas.