fotografia - imagem real?!

“a fotografia organiza o flagrante, produzindo a ilusão de que algo que se vê nela é de fato correspondente ao real fotografado (...). Longe de ser objetiva, uma fotografia representa um ponto de vista, isto é, quem fotografa uma cena o faz de acordo com seu ângulo de visão. Um fotógrafo não capta o real (...) há uma reconfiguração do que foi visto. E os limites de tal reconfiguração são dados pela história”.
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É preciso que se tome a foto, portanto, além de sua mera função ilustrativa. O que nos leva a questionar os mitos de transparência da imagem e da evidência do sentido icônico. Desse modo, ela pode constituir-se em um texto outro, inclusive encaminhando os sentidos na direção oposta do que se “pretendia” dizer. Não discutiremos aqui se teria havido ou não intenção por parte do jornal na troca das imagens e, assim, levar o leitor a fazer determinadas ilações. O que importa não perder de vista é que as falhas falam e são resultados de gestos de interpretação.
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... refletir acerca das condições de produção de sentido na relação entre material de natureza não verbal – foto jornalística – e verbal – noticiário, vinculados entre si. Entender esse tipo de imagem não como reprodução da realidade, mas como lugar em que o inesperado é evocado e os sentidos deslizam ou são desnaturalizados. Importa, sobretudo, considerá-la também um lugar em que tais rupturas, deslizamentos estão relacionados a um comprometimento subjetivo.
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... consideramos a dimensão do não verbal, aqui sob as formas de foto, como uma materialidade cuja leitura não se esgota ou se justifica pelo verbal. A imagem disponibiliza uma discursivisação própria. Tal especificidade implica um funcionamento que nos permite afirmar que não nos importa saber o que dizem, mas como significam. A imagem, portanto, pressupõe, em sua consistência significativa, processos específicos de significância.
A apreensão do não verbal através do verbal, aponta Souza (1998), evidencia um efeito ideológico de apagamento que, por sua vez, confirma a crença de que a linguagem serve para informar, comunicar. Também, diríamos, mas não só. A linguagem, seja ela de que natureza for, serve igualmente para não comunicar. O que nos permite abrir espaço para as noções de implícito (Ducrot, 1987) e de silêncio (Orlandi, 1992) e suas formas de significação, como mecanismos discursivos com os quais também o texto não verbal se constitui. No entanto, é preciso diferenciar também esses conceitos, antes de mais nada.
No implícito, o não-dito/não-visível parece ser subsidiário do dito/visível, apreensível por inferência, isto é, o não-dito/não-visível remete ao dito/visto. O silêncio, atravessando as palavras e as imagens, não remete ao dito/visível e mantém-se como tal, deixando em aberto conclusões a cerca de possíveis desfechos e, por isso mesmo, outras leituras. Daí Orlandi (1992) sustentar que o “sentido do silêncio não deriva do sentido das palavras, tampouco é seu complemento”.
Então, se, por inferência, podemos “recuperar” o implícito, pelo silêncio damo-nos conta de que o não-dizer/não-mostrar liga-se à história e à ideologia, pois é justamente pela historicidade inscrita no texto que se pode “observar” o silêncio, ainda que indiretamente. Há um silêncio nas palavras, nas imagens, um não dizer que constituiria o processo discursivo. Há um sentido no silêncio, que, significando nele mesmo, não é complemento da linguagem. Por outro lado, não se pode esquecer que há também um outro silenciamento como forma de não calar, melhor dizendo, de permitir dizer algo de modo a não deixar outras “coisas” falarem.
Não sendo o nada ou o vazio, porque significante, o silêncio, em seus movimentos, atesta, portanto, o movimento do discurso, que se faz na tensão entre o mesmo e o diferente, entre a paráfrase e a polissemia. Esses conceitos estão também relacionados aos usos da imagem, na medida que esta possa atuar como cenário ou linguagem. No primeiro caso, a imagem cumpriria mera função de ilustração, dando-se precedência ao escrito, o que configuraria uma relação com processos de natureza parafrástica, “aqueles pelos quais em todo dizer há sempre algo que se mantém (o dizível, a memória). Produzem-se, assim, diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado” (Orlandi, 1999: 36). No segundo caso, essa propalada materialidade específica da imagem seria respeitada, e a verbalização que eventualmente a traduziria daria espaço ao silêncio ou mesmo à imagem, o que caracterizaria uma relação com processos polissêmicos, nos quais se tem rupturas de processos de significação, através de deslocamentos, deslizamentos de sentidos pelos efeitos metafóricos. Enfim, aqui se joga com o equívoco.




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